sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O que nos faz ser tao diferente(s)?

Vou falar de um assunto que me incomoda há um tempo mas que só agora me sinto a vontade de escrever.
Sabemos que residente permanente aqui no Québec nem sempre é aquele que possui nível técnico ou universitário, que teve como investir dinheiro no processo de imigraçao e em cursos de línguas no Brasil. De fato, muitos canadenses nao sabem diferenciar muito bem estes "diferentes tipos de imigrantes" e ficam surpresos quando descobrem que passamos por um processo bem seletivo, onde pagamos taxas, comprovamos conhecimento linguístico, formaçao, experiência profissional, entre outras coisas. Um perfil bem diferente da maioria dos imigrantes do Québec. Acho super válido explicar qual é o perfil dos imigrantes brasileiros que estao aqui, que fomos selecionados, passamos por um processo e blá blá blá... mas fico desconfortável quando o assunto começa a tomar o rumo da superioridade e inferioridade entre os imigrantes. Sendo mais direta, falo do preconceito do imigrante contra o próprio imigrante. Do imigrante "qualificado" que se julga melhor do que o refugiado, que faz questao de apresentar o amigo québécois, mas nao faz questao nenhuma de trocar algumas palavras e conhecer um pouquinho sobre o imigrante refugiado.
Lembrando que, o Canada é um dos países que faz parte da ACNUR (Alto Comissáriado das Nações Unidas para os Refugiados), um órgao da ONU que dá apoio e proteçao aos refugiados do mundo. Àqueles que encontram-se fora de seu país de origem por sofrerem perseguiçoes devido à religiao, raça, nacionalidade, associaçao a determinado grupo ou opiniao política, etc.
Aqui no CEGEP tem até uma turma de francisaçao do Ministério de Imigraçao só para imigrantes que nao sao alfabetizados. Isso mesmo! O Québec dá um curso de francês para estes imigrantes, que nao tiveram a oportunidade de serem alfabetizados nem em sua própria língua.
Durante os cursos de francês tive a oportunidade de conhecer alguns imigrantes na situaçao de refugiado. Um casal da Sri Lanka que chegou no Canadá há mais de 2 anos com os 4 filhos e davam duro pra aprender a língua francesa que para eles sem dúvida nenhuma é mais dificil do que pra gente que tem uma língua materna latina. Eles diziam que na Sri Lanka eram ricos, mas que quando chegaram aqui ficaram pobres porque tiveram que investir todo o dinheiro para chegar no Québec com a familia.
Estudei também com um palestino, solteiro, formado em engenharia eletrônica, trabalhava aqui numa fábrica de madrugada e estudava francês de manha. Dava duro pra conseguir passar nas provas da ordem no Québec, melhorar o francês e no futuro poder trabalhar como engenheiro. Uma pessoa tao doce e tao sensível que tinha a capacidade de me emocionar com poucas palavras. Lembro-me dele falando que nao via a família há mais de 10 anos e que independente de onde ele estivesse seria sempre visto como refugiado. A Palestina oficialmente nao é considerada um país e o fato dele ter documentos palestinos que nao sao considerados válidos, faz dele uma pessoa sem pátria para o resto do mundo. "Palestinos são a maior população de desalojados do mundo". Pois é... uma pessoa que viveu uma história tao pesada, de identidade anulada pelo resto do mundo, pode ainda transmitir tanta doçura...
Sem contar o caso de uma amiga colombiana que fugiu da Colômbia com os filhos, deixando patrimônios porque estava ameaçada de morte por guerrilheiros a mando do marido. O que me fez tomar conhecimento de como as legislaçoes na Colômbia sao fragéis ou mesmo ausentes no que diz respeito aos direitos e proteçao da mulher.
Entao, histórias que a primeira vista sao bem melodramáticas, mas que a gente conhece muito bem pelos livros, jornais e filmes. Ouvir pessoalmente de quem passou e passa ainda pela experiência, me faz mais do que nunca ter respeito e admiraçao por eles.

10 comentários:

Alice, Paulo e Lucas disse...

Oi Gisele! Quanto tempo...
Concordo totalmente com vc e nós que estamos aqui sabemos que isso acontece. Confesso que não é fácil, mas se não queremos sofrer preconceito então o respeito às diferenças terá que partir primeiramente de nós.
Até mais!
Alice

Bea disse...

Recentemente terminei a francisação e conheci um rapaz nigeriano, que também ralava muito para aprender o francês, já que sua língua materna, o yorubá, é completamente diferente. Refugiado, com muitas guerras civis de onde veio, também era uma pessoa doce e que cativou à todos na sala. Qdo ele conseguiu emprego, todo mundo ficou feliz, todo mundo o parabenizou pois ele merecia muito ser feliz com sua família.
Também conheci uma moça da Colômbia, que veio pra cá também com medo das Farc, e que seu maior sonho era morar numa cidadezinha pequena, montar sua própria fazendinha e viver longe da "civilização", das grandes cidades. E eu perguntei pra ela: "e o seu filho? vc não quer que ele faça faculdade?" e ela me respondeu que o importante não era um curso universitário, mas os valores familiares e esterem juntos, enfim, em segurança.
Aquilo me comoveu bastante e fico pensando que talvez eu nunca conhecesse a realidade dessas pessoas se não fosse pelo curso, por essa oportunidade de conhecer pessoas de outros países e conhecer suas culturas.
É muito importante conhecer as pessoas e respeitá-las. Somos imigrantes qualificados mas quando chegamos aqui, somos todos iguais.

Abraços,

Bea.

Fernanda disse...

Comecei a ler seu post e estava ficando indignada achando que vc fazia parte da galera que adora ficar dando "carteirada" de qualificado ,Fico p da vida com quem se acha superior. Todo mundo e capaz. As oportunidades e que nao aparecem da mesma maneira pra todos. Refugiado ou nao, quem imigra tem no fim o mesmo objetivo: uma vida melhor. O que nos faz dif. e que se nao der certo pra mim, posso voltar pro conforto da minha familia e eles??????Muitos nunca tiveram nem casa e nao tem mais familia....Pagaram um preco muito mais alto que o nosso confortavel processo de imigracao.

Diário Canadá Brasil disse...

Cocordo com vc Gisele e com todos os outros comentários.
Buscamos igualdade social, não é?
Obrigada pelo post, excelente!

Patinha. disse...

Muito boa sua postagem,ajuda as pessoas a saberem que existem pessoas com uma realidade bem diferente das delas e ao mesmo tempo iguais,pois somos todos iguais no final das contas,uns com uma história de vida mais fácil e outros nem tanto..

Bjs.

Gabriel Cavalheiro disse...

belo post, Gisele!

a experiência mais enriquecedora para alguém é entrar em contato com outras culturas, outras formas de pensar... isso abre a nossa cabeça, deixa a gente mais tolerante e isso não tem preço, né?

é muito triste vir para o Canadá e ouvir brasileiros se referindo a outros imigrantes como "africanos fedidos"... esse tipo de gente deveria ter ficado no Brasil... é lamentável....

Baratinha disse...

Excelente post!
Tem muitos imigrantes, inclusive os brasileiros que nao gostam de refugiados, nao querem se misturar. Tem gente que se acha superior aos outros.
Infelizmente, o brasileiro ainda tem a mentalidade de "casa-grande-e-senzala"

Luciana disse...

Oi Giselle,
Tenho lido muitos blogs de imigrantes no Quebec, e esta é aprimeira vez que vejo alguém falando de uma maneira tão humana sobre os imigrantes refugiados, parabéns pela iniciativa.
grande abraço Luciana

Luciana disse...

Oi Giselle,
Tenho lido muitos blogs de imigrantes no Quebec, e esta é aprimeira vez que vejo alguém falando de um maneira tão humana sobre os imigrantes refugiados, parabéns pela iniciativa.
grande abraço Luciana

Drinho e Nessa disse...

Olá Gisele,
Sempre que tenho um tempinho, eu releio post antigos de blogs que eu acompanho e hoje me deparei com um artigo teu, escrito em novembro de 2010. É um artigo que coincidentemente trata de um assunto abordado no blog do Wellington e também no meu. Aproveitei a oportunidade e reproduzi seu artigo no meu blog. (nem pedi a tua autorização... hehehe).